quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sebo não é depósito de papel velho

Em Portugal a palavra alfarrábio ainda é usada para designar um livro velho e também uma livraria de livros antigos, e o alfarrabista é aquele que os comercializa. No Brasil, a livraria que comercializa livros usados é conhecida como sebo. Desconhecemos a época em que essa palavra passou a ser adotada em nosso país, mas certamente deriva da idéia de que um livro usado é ensebado pelo próprio manuseio constante. E o livreiro de livros usados, ainda de acordo com o Aurélio é sebista. Além dessa indagação, com freqüência sou surpreendida com exclamações de surpresa, de pessoas que desconhecem completamente essa atividade. Há aquelas outras ainda, que apesar de a conhecerem, não adquirem livros usados pois acreditem, pasmem, que o livro velho pode ser transmissor de doenças, entre outras coisas.

É claro que, numa sociedade de consumo como a nossa, onde a idéia de sucesso pessoal está ligada ao poder aquisitivo da novidade, do último modelo de carro à roupa da moda, a idéia do livro velho soa, para muitos, como uma extravagância. Felizmente, não é assim que a confraria de iniciados pensa. Os chamados ratos de sebo, que vasculham as prateleiras com a volúpia de quem garimpa tesouros, aquela edição procurada há anos, ou simplesmente à busca do prazer da surpresa, às vezes contido simplesmente no manuseio do livro, no apreciar sua arte gráfica ou no percorrer os olhos pelas ilustrações, como verdadeiro objeto de arte, de conhecimento e de paixão. Para esses, nada é comparável à surpresa, à alegria do "achado". Um volume que, certamente já passou pelas mãos de tantos, sem que lhe tivessem notado o valor, que pode ir desde o simples gosto pessoal por determinado assunto, uma peça da coleção que cada um estabelece para si, uma primeira edição de poucos e raros exemplares no mercado, uma encadernação artística, enfim, um exemplar que represente para o seu "descobridor" algo especial ou apenas necessário a um trabalho de pesquisa.

Para se ter uma idéia do perfil desse devorador de alfarrábios, ele tem em média mais de 30 anos, quase sempre possui instrução de nível superior, possui uma cultura geral bastante boa, e adora trocar informações e contar histórias, como todo bom pescador. Com o elevado preço dos livros, outro consumidor descobriu a vantagem do livro usado: o estudante (ou os pais do estudante) que, antes de o procurarem nas livrarias convencionais, fazem uma pesquisa no sebo à busca de um exemplar que, na maioria dos casos, custa menos de 50% do novo. Como cada vez se lê menos, e o nosso é um país de pessoas com menos de 30 anos, este novo consumidor é o que realmente mantém os sebos em atividade.

Além desses consumidores, há outro tipo de pessoa que procura o sebo após uma limpeza na casa e um desejo urgente de se livrar do lixo acumulado durante anos. O que é pior, na maioria das vezes é lixo mesmo, que vai de cadernos escolares dos filhos que já casaram a livros de primeiro grau já totalmente rabiscados, rasgados, cheirando a mofo pelo longo tempo armazenado em úmidos porões. Essas pessoas confundem sebo com depósito de papel velho e ficam muito indignadas quando o livreiro se nega a receber o produto da faxina, mesmo de graça. Não entenderam o valor e o verdadeiro papel de uma livraria de livros usados, preservadora da memória do município, do estado, do país, do planeta, guardiões de tesouros do saber, que fazem circular obras às vezes editadas apenas uma vez e, não fossem esses caminhos mágicos do percurso do livro, seriam transformados em tiras para reciclagem. Um sebo não é depósito de papel velho e muito menos um mero comércio, um sebo é um repositório da memória. "LIVRO NOVO É AQUELE QUE VOCÊ NÃO LEU. EXPERIMENTE."

Compacto extraído de diálogo com autor do blog http://blog.alpharrabio.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário